Miocardiopatias

Enalapril Pode Diminuir Cardiotoxicidade por Antraciclinas?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

As antraciclinas são agentes quimioterápicos amplamente empregados no tratamento de neoplasias como o câncer de mama e linfomas, notoriamente associadas a cardiotoxicidade dose-dependente, manifestando-se por injúria miocárdica (evidenciada pelo aumento de troponina) e, em casos mais graves, por insuficiência cardíaca (IC). Estratégias preventivas são cruciais para mitigar o impacto desses efeitos na expectativa de vida dos pacientes sobreviventes.

O estudo PROACT, apresentado no Congresso do American College of Cardiology (ACC 2024), investigou o potencial protetor do enalapril contra a cardiotoxicidade induzida por altas doses de antraciclinas.

Metodologia do estudo

Tratou-se de um estudo multicêntrico, randomizado e controlado, envolvendo pacientes com câncer de mama ou linfoma não-Hodgkin que receberam seis ciclos de antraciclinas em doses ≥300 mg/m² (equivalência a doxorrubicina). Foram excluídos pacientes com injúria miocárdica prévia, fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 50%, ou contraindicações ao enalapril.

Os pacientes foram randomizados para receber enalapril na dose alvo de 10 mg a cada 12 horas ou tratamento padrão. O desfecho primário foi a injúria miocárdica definida por troponina T (cTNT) ≥14ng/L após 30 dias do último ciclo de quimioterapia.

Incluíram a elevação de troponina I (cTNI) > 26,2ng/L, redução > 15% no strain global longitudinal do ventrículo esquerdo (SGL VE), ou redução absoluta da fração de ejeção do ventrículo esquerdo > 10% para valores < 50%.

Quais foram os principais Resultados?

Foram analisados 54 pacientes em cada grupo. Predominaram mulheres (75%) e pacientes com câncer de mama (62%). A dose média administrada de doxorrubicina foi de 328 mg/m², e a maioria recebeu a dose completa de enalapril (20 mg diários). Não houve diferença significativa no desfecho primário entre os grupos, com 78% no grupo enalapril e 83% no grupo controle apresentando troponina T elevada (OR 0,65; IC 0,23-1,78; p=0,405).

Não foram observadas diferenças nos desfechos secundários, com valores de troponina I aumentados em 47% dos pacientes no grupo enalapril e 45% no grupo controle. Apenas 21% dos pacientes mostraram redução > 15% no SGL VE e 2% apresentaram redução significativa da fração de ejeção.

Conclusões

O estudo não demonstrou benefício do enalapril na prevenção da cardiotoxicidade associada a altas doses de antraciclinas. Algumas limitações, como a natureza aberta do estudo, a redução do poder estatístico devido à pandemia de COVID-19, dificuldades de recrutamento e a avaliação precoce por ecocardiograma, podem ter influenciado os resultados. Um acompanhamento clínico mais prolongado está em andamento, o que poderá oferecer insights adicionais, especialmente sobre o papel das diferentes formas de troponina na avaliação clínica desses pacientes, visto que a troponina T foi mais frequentemente alterada neste estudo. Este achado levanta questões importantes sobre qual biomarcador é mais apropriado para monitorar a cardiotoxicidade em contextos clínicos.

Referências

Resultados do estudo PROACT apresentados durante uma sessão de Late-Breaking Clinical Trials no ACC.24 em Atlanta.

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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