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Paciente de 46 anos procura o pronto socorro com queixa de palpitações há 1 hora.
Após administração de 6mg de adenosina EV em bolus, repetido o ECG do paciente:
Qual é a arritmia apresentada por esse paciente?
Sabendo que o paciente em questão apresentava ECG normal em avaliação prévia, o que há de diferente no ECG pós adenosina, e o que justifica essa alteração?
RESPOSTA
A arritmia apresentada pelo paciente é provavelmente a taquicardia por reentrada nodal.
No ECG pós adenosina podemos notar um prolongamento importante do intervalo PR (aprox. 320ms). Sabendo que o paciente não apresentava essa alteração previamente, o que poderia justificar essa alteração?
A adenosina é um nucleosídeo endógeno que reduz a frequência cardíaca sinusal (efeito cronotrópico negativo) e reduz a velocidade de condução do impulso pelo nó átrio-ventricular – NAV (efeito dromotrópico negativo). Sua ação é rápida, e é altamente efetiva para terminar um taquicardia supraventricular quando o NAV faz parte do circuito reentrante.
Em pacientes com taquicardia por reentrada nodal (TRN), geralmente a via anterior tem condução rápida com um longo período refratário, e a via posterior tem condução lenta e período refratário mais curto.
Alguns estudos sugerem que essa via rápida seja mais sensível ao efeito da adenosina do que a via lenta¹.
Assim, a dose utilizada de adenosina pode ter bloqueado somente a via rápida. Após resolvida a taquiarritmia, o paciente manteve condução anterógrada no NAV somente pela via lenta, o que justificaria o intervalo PR prolongado.
Referência
- Curtis AB, Belardinelli L, Woodard DA et al. Induction of Atrioventricular Node Reentrant Tachycardia With Adenosine: Differential Effect of Adenosine on Fast and Slow Atrioventricular Node Pathways. J Am Coll Cardiol 1997;30:1778-84.
Acredito que a adenosina não reverteu a arritmia. Na verdade, acho que o segundo ECG mostra exatamente a mesma arritmia do,primeiro eletrocardiograma porém com uma frequência exatamente a metade da primeira. Isso ocorre devido ao que chamamos de "lower common pathway block" que, nesse caso leva a um bloqueio 2:1 na via final do NAV. Ou seja, continua havendo reentrada nodal mas a condução para o ventrículo é na proporção de 2:1 e para os átrios, 1:1. Isso significa que não houve bloqueio nem na via lenta nem na via rápida com a adenosina. Houve apenas uma lentificação da condução na região inferior do no AV ou imediatament infranodal. Se medirmos a distância da onda p até o próximo QRS, será exatamente igual a distância deste até a próxima onda p. Provavelmente uma em cada duas ondas p então dentro do QRS. Em D2 vê-se um padrão típico formado pela junção das ondas T e p descrito nos livros de arritmia como "os lábios da garota". Se pudessemos ter visto a sequência deste eletro, provavelmente haveria um momento em que a arritmia voltaria para o padrão de condução,AV 1:1 embora o desaparecimento súbito desse prolongamento do PR pode ocorrer em caso de reversão da TRN e pode ser interpretado como recuperação da condução pela via rápida.
Ronaldo, obrigado pelo comentário. Como na vida real não temos gabarito (hehe), não podemos ter certeza da resposta correta. Porém, sua explicação é plausível e pode ser a explicação para o que observamos no segundo ECG.